ACARAÚ SEM TERMINAL RODOVIÁRIO, ATÉ QUANDO?

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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

HOMENAGEM: Jornal O Povo homenageia jornalista e escritor Acarauense




``Ao abrir a caixa e ver minha máquina, senti uma das mais fortes emoções dos últimos tempos. Parece que, diante dela & que há tanto não via & estava voltando a mim aquele período dos nossos primeiros dias de casado, na velha casa do Salim. Você com seu vestido de palhaço & amarelo com enormes bolas vermelhas & esperando nosso primeiro filho, o lindo e meigo Carlinhos; Halen e Cacareco a -perfumarem- o ambiente e eu dedilhando dia e noite, domingos e feriados, para arranjar alguns tostões a mais necessários à manutenção do lar que havia pouco construíramos. Também me veio à lembrança nossa casinha de Estância, meus filhos sentados ao meu calor, ajudando o pai a escrever. Mas, nada de grandes sentimentalismos. O que vale é o futuro e este, se Deus quiser, será nosso``.

Para José Blanchard Girão Ribeiro, um dos seus bens mais preciosos era a palavra. A palavra e a família. Isso fica explícito no trecho da carta reproduzido acima, endereçado à sua esposa Cleide. Era dessa forma que ele procurava demonstrar sua presença e sua saudade quando esteve preso por nove meses e 21 dias, logo nos primeiros momentos da ditadura militar que tomou o Brasil em março de 1964. Na ocasião, exercia seu mandato como deputado estadual pelo Partido Social Trabalhista. ``Ele sempre dizia -me mande papel-, e mandava bilhetes escritos em papeis de chocolate, carteiras de cigarro``, relembra a esposa.

Mas, sua história começa antes, em 22 de outubro de 1929. Foi exatamente há 80 anos que Blanchard Girão nasceu em Acaraú, distante 222 km de Fortaleza. A mudança para a Capital aconteceu quando ele tinha dois anos. E foi aqui onde seu interesse pelas letras teve início, aos 14 anos de idade, quando começou a trabalhar como revisor da Gazeta de Notícias. Daí seguiu sua carreira nos principais meios de comunicação do Estado, fazendo parte dos quadros do O POVO por duas vezes, de 1945 a 1948 e de 1973 a 1986; do jornal O Norte, na Parnaíba (PI); das rádios Dragão do Mar e Iracema; das TVs Ceará e Educativa. E foi na profissão de jornalista que ele foi ao Rio de Janeiro em 1950 cobrir a Copa do Mundo que viu o Brasil ser vice-campeão para o Uruguai. ``Depois do jogo Brasil x Uruguai, não se ouvia nenhum barulho, nem uma voz no Maracanã. Só se ouvia os passos das pessoas se retirando do estádio``, descreveu na época.

Formado em Direito, Blanchard pouco exerceu deste ofício. ``Mas não dava certo na profissão porque tinha pena de cobrar. O caso dele era escrever``, conta a filha Marta Vanessa, que nasceu enquanto o pai se encontrava preso e dele mereceu muitas cartas emocionadas. E sua paixão pela escrita também renderam 13 livros. Entre eles, O céu é muito alto (crônicas - 1994); O Liceu e o Bonde na Paisagem Sentimental de Fortaleza-Província (memórias - 1997); Só as armas calaram o Dragão (memórias - 2005); Alacoque Bezerra, a madrinha de Juazeiro (biografia - 2007).

Hoje, a memória do jornalista está guardada nas lembranças da sua esposa, dos seus quatro filhos e dos seus nove netos. São eles que recordam, entre risos e lágrimas, as histórias do torcedor do Fortaleza que levava os filhos pequenos ao estádio e depois seguia para a redação para fechar a edição do dia seguinte, com a prole dormindo no carro. Sua partida aconteceu em 25 de março de 2007, após um infarto fulminante, aos 77 anos, enquanto caminhava pelo seu sítio em Aquiraz, lugar predileto escolhido como refúgio para o corre-corre da cidade grande. E é lá onde estão guardados seus livros e sua máquina de escrever, armas que escolheu para lutar bravamente em nome do que acreditava. (Marcos Sampaio)



Fonte: Jornal O Povo

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