ACARAÚ SEM TERMINAL RODOVIÁRIO, ATÉ QUANDO?

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domingo, 14 de dezembro de 2008

TELEVISÃO : Globo Rural faz matéria sobre o rio Acaraú

A última parte da reportagem sobre o rio Acaraú, um dos mais importantes do Ceará, mostra as riquezas da parte baixa da bacia.

Pouco antes de se entregar ao mar, o rio abastece um dos mais modernos pólos de fruticultura irrigada do país e também a maior criação de camarão em cativeiro do Estado.

Pouco depois de deixar Sobral, o rio alcança o baixo Acaraú. Apesar da proximidade com o mar, o clima é de sertão. A caatinga predomina. As muitas carnaubeiras deixam a paisagem verde.

Nossa próxima parada é no município de Marco, onde fica a sede do Distrito de Irrigação do Baixo Acaraú, mais um pólo de fruticultura público inaugurado em 2001. São 8,3 mil hectares, divididos em lotes de oito hectares para pequeno produtor, 16 para técnico agrícola e 60 para empresário, abrangendo, além de Marco, os municípios de Bela Cruz e Acaraú.

Este perímetro de irrigação é um dos mais modernos do país e é a menina dos olhos das autoridades em se tratando de usar a água do Acaraú para gerar emprego e renda.

A água é captada na barragem e bombeada até uma rede de canais. De lá segue para os lotes por gravidade. Operadores controlam tudo o tempo todo.

“A gente tem fibra ótica percorrendo todos os canais e sensores de nível ultrassonico medindo sempre a lamina d'água nos canais”, explicou Francisco Pontes Neto, operador de automação.

O projeto conta ainda com um controle eficiente de pragas e doenças. Água e luz são cobradas individualmente. O produtor paga apenas o que consumiu.

Rogério Coelho Pereira é um administrador de empresas que vivia na capital Fortaleza. Quando soube que o Dnocs estava licitando os lotes do perímetro, decidiu se aventurar.

“Deu logo a curiosidade de conhecer. Quando eu visitei a barragem e vi os equipamentos, vi a coisa automatizada, eu achei fantástico em termos tecnológicos, em termos de mudança para região e uma oportunidade de trabalho, de investimento”, falou Rogério.

Rogério hoje é agricultor e passa a maior parte do tempo cuidando de seus dois lotes. Em 16 hectares, produz banana-maçã, mamão e maracujá.

A instalação do perímetro gerou muitos empregos. Os produtores dizem até que tem faltado gente para trabalhar na colheita.

O Distrito de Irrigação do Baixo Acaraú está sendo ampliado. As obras já começaram. Com verba do PAC, Plano de Aceleração do Crescimento, o governo federal pretende disponibilizar mais 4,6 mil hectares de área irrigável. Mas todo esse potencial é subutilizado. Menos de 30% dos lotes estão produzindo. A grande maioria está abandonada.

Para Rogério Paganelli, gerente executivo do distrito, aumentar a taxa de ocupação é hoje o maior desafio do projeto.

Existem vários fatores para que os produtores tenham deixado de produzir, mas o principal é que no começo não havia uma facilidade na questão do crédito. Então, isso atrasou um pouco a ocupação porque o produtor comprou o lote, mas não tinha recurso para comprar os equipamentos parcelares de irrigação e o próprio custeio da lavoura. Aí, começou muito devagar”, esclareceu Paganelli.

O seu José Milton da Silva foi um dos que quase tiveram que deixar de produzir. Sem muita experiência, adquiriu um lote, entrou para uma associação e, junto com outros 43 produtores, plantou melão.

“Disseram que plantar melão era uma coisa boa. Plantava melão hoje e amanhã comprava um avião. Aí todo mundo queria plantar melão. Quem não queria comprar um avião? E a verdade num era essa”, disse o seu Zé Milton.

O seu Zé Milton e os colegas da associação venderam o melão da primeira safra, mas não receberam. Ninguém conseguiu pagar o financiamento. Hoje, dos 43 produtores da associação, apenas cinco continuam produzindo mesmo endividados.

Agora, o seu Zé Milton planta abacaxi em três hectares. Por causa da dívida, ainda não conseguiu ocupar todo o lote. Mas não se intimida. Trabalha duro. Não passa um dia sem ir ao lugar. Produz frutos de qualidade que ele mesmo comercializa. Quer economizar e pagar o banco. E com essa garra toda, alguém tem dúvida de que ele vai conseguir?

“Eu quero dizer que se você tem um lote de oito hectares cheio de abacaxi, você tem um salário de uns R$ 7 mil, um salário bom pra todo Brasil e não só para o baixo Acaraú. Um salário de R$ 7 mil é muito bom e eu to correndo atrás dele”, disse seu Zé Milton.

Quando vai se aproximando do mar, o rio Acaraú ajuda a formar um grande estuário, um tipo de área de transição entre o oceano e o continente, área de encontro de rios com o mar.

Ao longo da costa, o movimento das marés e a correnteza dos rios misturam a água doce e a salgada. Esse ambiente de água salobra, sempre rodeado por terras úmidas, é muito propício para a vida de um grande número de plantas e animais que, em regiões tropicais, formam o que conhecemos por manguezal.

Em Acaraú, município que leva o nome do rio e onde fica a sua foz, são quilômetros e quilômetros desse ecossistema que no Brasil é considerado "área de preservação permanente".

O manguezal possui três ambientes distintos: o mangue em si, de vegetação densa e solo lodoso; o apicum, com vegetação mais rala e rasteira; e o salgado, grandes áreas arenosas e descobertas que, ao sabor da maré, hora estão inundadas e hora, secas.

Ricardo Matos, biólogo da Secretaria de Meio Ambiente do município ressalta a importância desse ecossistema. “A importância dele para a vida marinha é enorme porque é exatamente onde ocorre o crescimento da fase larval dos animais que vivem tanto no mar como no mangue. Então, ele é considerado um berçário”, falou.

Apesar de toda importância, esse ecossistema tem sido muito explorado pelos criadores de camarão que instalam seus tanques nessas áreas. Do alto, dá para se ter uma idéia da dimensão do negócio.

No Ceará, a explosão da criação de camarão em cativeiro, a chamada carcinicultura, aconteceu no final da década de 90. Com o dólar em alta, a atividade era extremamente lucrativa.

Acaraú é o município que mais produz camarão em cativeiro no Ceará, mas, segundo ambientalistas, a implantação dos tanques nestas áreas pode trazer sérios prejuízos para a vida no mangue. Hoje, no lugar já é muito difícil encontrar quem tire o sustento da cata do caranguejo, por exemplo, ou até do peixe que vem do rio.

João Vilmar vive em Coroa Grande, uma comunidade ribeirinha de Acaraú cuja sobrevivência sempre esteve muito ligada ao mangue e ao rio.

“Hoje nós pescamos mais no mar porque a pesca no rio acabou. A pesca no rio é tainha e a tainha acabou. Acabou por causa dessas condições dos viveiros. Os viveiros têm um produto que joga para o rio. Aí esse produto prejudica o peixe”, lamentou Vilmar.

João se referiu ao metabissulfito. Um produto químico, altamente tóxico, usado para conservar o camarão e, muitas vezes, descartado no manguezal de maneira irregular.

“Esses produtos colocados nos tanques, além de matar as bactérias que convivem com o camarão, eles vão matar também as larvas dos animais que vivem dentro do manguezal”, alertou Ricardo.

Além disso, tem a degradação do meio em si. Muitas empresas desmataram mais do que estava previsto no projeto licenciado pela Semace, Superintendência Estadual do Meio Ambiente, que regulamentava e fiscalizava a atividade no Ceará.

Um levantamento realizado pelo Ibama em 2005 apontou irregularidades em 96% dos criatórios da bacia do Rio Acaraú.

O representante de uma das principais empresas instaladas no município, o engenheiro de pesca Pedro Martins Lopes, acredita que o mal estar causado pela chegada dos criadores de camarão não tem mais razão de ser.

“O que aconteceu é que no início como era, como é um empreendimento muito rentável, procurou-se trabalhar de qualquer forma, inclusive sem acompanhamento técnico necessário. Essas pessoas não tinham o embasamento teórico e científico e trabalharam de forma irresponsável”, explicou Martins Lopes.

A problemática toda envolvendo a instalação das fazendas de camarão fez surgir a Associação Encante do Mangue, formada por moradores do Curral Velho, única comunidade de Acaraú que conseguiu resistir ao assédio dos criadores e ainda hoje preserva parte de sua área de salgado.

Apesar de toda luta, o manguezal da comunidade não é mais o mesmo. Por ser, em tese, a mais preservada do município, sofreu uma exploração intensa e hoje também padece.

“Antes da chegada da carcinicultura tinha o período do caranguejo e a pessoa não precisava colocar o braço pra tirar o caranguejo. Vinha gente de todo canto e levava o saco cheio. Hoje, a gente arrancando no braço, enfiando dentro do buraco, não consegue arrancar quase nada”, lamentou o pescador Vanilson Honório.

Que o diga José Expedito Barbosa, morador do Curral Velho, que hoje, para sobreviver passa dias no mar para trazer lagostas e peixes.

Depois de muito esforço, finalmente, um caranguejo. Por ser pequeno, a lei determina que seja devolvido ao mangue. Mas na região, segundo o Zé, isso não acontece muito.

"O cara não quer nem saber se é pequeno ou grande. Quer saber se tem. 
Isso é um problema. Como aqui no interior é uma coisa sem lei, vai pequeno e vai grande”, disse o Zé.

Por conta do assoreamento, só faltando sete quilômetros para o rio se entregar ao mar é que dá para navegar por ele com embarcações um pouco maiores.

Como todo rio, o Acaraú carrega uma riqueza inestimável: a água. Como muitos rios, recebe, em troca, agressões, descaso, esgoto e lixo. Mas ele resiste e segue matando a sede, gerando luz e semeando vida nas terras áridas do sertão nordestino.

Por determinação judicial, o Ibama assumiu recentemente o processo de licenciamento das fazendas de camarão no Ceará. O instituto diz que não vai autorizar a implantação de novos criatórios nem renovar as licenças dos antigos até fazer uma reavaliação dos viveiros no estado. A Superintendência Estadual do Meio Ambiente, que quer retomar o controle do processo, recorreu da decisão da Justiça.

Link da Materia : http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM934945-7823-AS+RIQUEZAS+DA+PARTE+BAIXA+DO+ACARAU,00.html

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