Sem terras para ampliar sua atividade, os jovens pecuaristas do Paraná, filhos dos migrantes europeus, tomam o rumo do Nordeste. Liderados por Marcos Epp, 38, descendente de alemães, eles chegarão ao Ceará para praticar pecuária de alto padrão
O que veio fazer no sertão do Ceará um grande empresário pecuarista do rico Estado do Paraná?
Há um potencial muito grande no Nordeste, especialmente no Ceará. Há aqui um potencial de produção de frutas e de hortaliças, mas há, também, um potencial maior ainda na área da pecuária para a produção de leite.
Mas o que, além do avião, transporta para cá o interesse do pecuarista paranaense?
O Paraná é um Estado bem estruturado, bem desenvolvido, mas cada vez mais limitado. O custo de produção no Paraná elevou-se demais nos últimos anos, principalmente em termos de área. O custo da área, da terra, está muito alto. No Ceará, o preço das áreas é relativamente baixo. Outra coisa que favorece muito a produção aqui no Nordeste é o fato de a região ter sol intenso, calor e umidade o ano todo. Se, por um lado, pode faltar a chuva, o fato de ter o sol o ano inteiro é um grande ponto a favor para a produção de leite, que usa, no caso, a produção de forragem. Então, o grande ponto está no potencial de produção de forragem que existe aqui no Ceará pelo sol.
Realmente, o preço da terra no Ceará é barato. Aqui, um hectare custa R$ 3 ml; no Paraná, R$ 30 mil. É isso o que atrai o seu interesse e o interesse dos seus colegas pecuaristas paranaenses?
Com certeza, porque mesmo essa área de R$ 30 mil que existe no Paraná é uma área já difícil de adquirir, sendo que aqui, além de existir a área, ela ainda é de fácil aquisição. E mais: em algumas situações, a área está irrigada com o ponto de água já instalado disponível para o produtor que vai iniciar a produção. E a rede de energia está à porta.
A sua presença aqui é o primeiro passo para a vinda dos pecuaristas paranaenses para o Ceará?
Sim. Faz pouco tempo, o Zuza (de Oliveira, diretor de Agronegócio da Adece) esteve lá no Paraná com um grupo de técnicos, divulgando o trabalho que o Governo do Ceará empreende para desenvolver sua infraestrutura, o que favorece a vinda de empreendedores de outros estados. Na nossa região, pelo fato de ter já uma cultura de produção de leite e de ter muitos produtores que hoje não têm mais como aumentar sua produção, o Ceará passou a ser visto como uma opção muito interessante para nós, abrindo boas expectativas para a produção leiteira. É uma questão de vir aqui agora para avaliar a situação e dar os passos seguintes. Este é realmente o primeiro passo para aproveitar o real potencial que existe aqui.
O senhor visitou alguns perímetros irrigados, como o do Baixo Acaraú. É possível repetir aqui uma pecuária de alto padrão como a do Paraná, em que se obtém a média de 30 litros de leite por vaca/dia?
Eu diria que nós temos que, talvez, olhar as coisas um pouco diferentes. Lá, nós produzimos leite de alto padrão, de alta qualidade, de forma bastante intensiva por animal. Aqui, existem as mesmas condições de produzir leite de alta qualidade e com alta produtividade, mas com produtividade maior por área. Aqui, talvez a produção por animal não seja tão grande, mas, pela condição que você tem de aumentar muito mais a lotação por área, você consegue, no final da conta, uma produtividade por área maior do que no Paraná. Esse potencial existe: uma capacidade de produção por área, por hectare, maior do que no Paraná.
O senhor conhece outros pecuaristas paranaenses que também têm a idéia de se transferir para cá para tirarem proveito dessas vantagens comparativas?
Conheço. Há produtores jovens de nossa região que já manifestaram o interesse de buscar outras alternativas e o Ceará é uma opção, com certeza. O que acontece na nossa região é que muitos filhos de produtores não têm mais condições de fazer as suas unidades de produção. Então, ou eles continuam produzindo junto com seus pais, ou acabam talvez até saindo da atividade, em função da falta de área para a sua atividade. É por isso que existe o interesse de buscar outras regiões, como o Ceara, para se instalar e produzir leite.
Os filhos de produtores a que o senhor se refere são filhos de migrantes?
São, sim. A nossa região é formada por comunidades de origem alemã e holandesa, com a cultura de produção de leite trazida de várias gerações e que querem manter essa atividade como a principal.
Qual é essa região?
É a região dos Campos Gerais do Paraná. Fica a 130 Km de Curitiba, no entorno de Ponta Grossa, que inclui os municípios de Palmeira, Carambeí, Castro, Tibagi, Campo Largo e Arapoti.
Lá, as cooperativas de produtores de leite têm grande importância. Como elas se organizam e como elas atuam?
O cooperativismo na nossa região fez uma diferença muito grande desde quando as comunidades se instalaram. Por meio do cooperativismo, criou-se um trabalho de união em torno de um objetivo comum, em função do que se obteve muito êxito. Grande parte do êxito que existe hoje nas comunidades em termos de produção e de organização social é resultado das cooperativas que existem lá.
Entre esta conversa e a chegada dos paranaenses ao Ceará passará muito tempo?
Eu espero que não. O que tem de ser levado em consideração, quando se fala em produção de leite, é que a instalação de uma produção leiteira é complexa, envolve um pouco mais do que uma atividade de agricultura comum. Um agricultor pode vir aqui e passar a produzir durante dois, três, cinco anos. Se mudar de ideia, ele pode ir para outra região ou pode parar sua atividade. O produtor de leite, não. A partir do momento em que ele decidir produzir leite em uma região, ele vai montar toda a sua estrutura de instalações, que vai desde a sala de ordenha, instalação para trato, ele organiza toda a propriedade dele para a produção de leite de uma forma bastante definitiva. Então, ele tomará essa decisão no momento em que tiver a segurança de que, nos próximos 50, 100 anos, ele vai poder produzir esse leite. Essa questão tem de ser clara. Quando ele vem, ele vem para ficar muito tempo.
Qual é a relação dos pecuaristas paranaenses com a indústria?
A relação com as indústrias é boa, mas ao mesmo tempo é bastante positiva também comercialmente. Hoje, o produtor se preocupa em produzir o leite e cuida da porteira pra dentro. A comercialização da produção é feita pela cooperativa, que capta o leite de todos os produtores, centraliza essa produção, leva-a à plataforma, "cifa" o leite e leva para a indústria que lhe pagar o melhor preço pelo produto.
Ou seja, é bom ter várias indústrias?
Com certeza. As diferentes indústrias de beneficiamento operando no mesmo local favorecem, e muito, ao produtor. É o fato de termos várias indústrias, como acontece hoje na nossa região, que valoriza o preço do leite do produtor. Você ser refém de uma única indústria só pode ser complicado, porque o produtor tem de ser remunerado com base no seu custo. É uma coisa natural de qualquer negocio: quanto maior a concorrência entre os compradores, melhor para o produtor.
Aqui, temos duas grandes indústrias: a Betânia e a Danone, cuja fábrica está sendo modernizada para operar de novo. O senhor as conhece?
A Danone é uma compradora de leite de nossa cooperativa. Temos um bom relacionamento com a Danone e seria uma segurança a mais ter a Danone instalada aqui no Ceará. Quanto à Betânia, tenho ouvido falar bem dela, tenho visto seus produtos nos seus supermercados, tenho boa impressão da Betânia, mas ainda não conheço a indústria em si.
Bem, daqui a pouco, na atividade da pecuária no Ceará, poderemos ter jovens empresários como o senhor, filhos de migrantes alemães, holandeses e poloneses, não é assim?
É possível, sim, porque a nossa região tem comunidades de origem europeia que têm essa cultura de produção leiteira que podem vir para cá.
E virão ainda neste ano?
É uma decisão bastante importante. Precisamos amadurecer esse contato, esse conhecimento. Mais pessoas precisam vir aqui para entrar em contato, perceber de forma bem evidente o potencial que existe aqui e isso acredito que será uma coisa natural.
Com que rebanho os senhores pretendem produzir leite no Ceará. Com o holandês, o Gir ou o Nelore?
A raça holandesa que nós temos lá no Paraná é de origem europeia e bastante apurada em termos de produtividade de leite. Aqui no Ceara, a região é de mais calor. Neste caso, teríamos de usar ou um gado cruzado entre o holandês e alguma outra raça zebuína, ou fazer algum outro cruzamento que o torne um pouco mais resistente ao calor, o que é perfeitamente viável.
A Embrapa pode ajudar?
Com certeza. A Embrapa é uma instituição que trabalha muito bem nesse sentido e poderia nos ajudar a desenvolver essa nova raça.
Uma nova pecuária
Carlos Epp
Conselheiro da Associação Paranaense dos Criadores de Gado Holandês
"No Ceará, o preço das terras é relativamente baixo e o sol da região ajuda a desenvolver a pecuária"
"Há produtores jovens do Paraná interessados em outras alternativas e o Ceará é uma opção"
"Grande parte do êxito da pecuária do Paraná deve-se à boa ação das cooperativas de produtores"
"Diferentes indústrias de beneficiamento operando na mesma região só favorece ao produtor"
FIQUE POR DENTRO
Ajuda de quem sabe
A ideia foi do diretor de agronegócios da Adece, Zuza de Oliveira. "Lá no Paraná, a pecuária, por falta de terras, está impedida de crescer. Por que não trazê-los para o Ceará?", pensou ele. Em novembro do ano passado, Zuza viajou a Curitiba, reuniu-se com pecuaristas e diretores das cooperativas de produtores da região de Ponta Grossa, apresentou-lhes o cardápio de vantagens que o Ceará oferece, incluindo terra barata e de boa qualidade, além da água. E os convidou a conhecer os perímetros irrigados do Dnocs. Carlos Epp, um dos líderes do agronegócio do leite do paraná, veio em nome de todos. Gostou do que viu e diz nesta entrevista que os jovens empresários da pecuária paranaense querem, como ele, uma nova fronteira para desenvolver a sua atividade, que é de alto padrão e sustentada por cooperativas, cuja relação com a indústria é muito boa. Por falar em indústria de beneficiamento de leite, Epp afirma que "quanto mais cooperativa, melhor para o produtor", que pode ter melhor preço para a sua produção e para o seu trabalho. Se tudo der certo, os pecuaristas paranaenses estarão aqui até o fim deste ano. A Adece promete toda a ajuda.